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Projeto de Lei do novo PDDU direciona o desenvolvimento de uma cidade compacta e orientada para o sistema viário

O Projeto de Lei em tramitação na Câmara Municipal é criticado pela falta de estudos preliminares suficientes e segue orientação muito similar ao Plano Diretor da cidade de São Paulo.

Lidia Santana
Arquiteta e urbanista Lídia Santana

 

A Câmara Municipal de Salvador é responsável por garantir a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos sociais na elaboração do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador. O PDDU em vigor, aprovado pela Lei 7.400/2008, completa 8 anos e está sendo revisto por meio o Projeto de Lei Nº 396/2015 que, neste momento, tramita na Câmara.

A doutora em planejamento urbano pela FAUFBA, Lídia Santana, é a técnica responsável por auxiliar os vereadores a analisar o Projeto de Lei.  Lídia participou no último dia 9 de junho de um painel com arquitetos no CAU/BA e nos deu a seguinte entrevista, na qual analisa os pontos fortes e fracos do Projeto e o processo de participação popular.

CAU/BA: Quais são as principais diretrizes do novo PDDU, qual conceito de cidade ele direciona?

Lídia Santana: O projeto de lei (PL) do PDDU direciona a expansão urbana para o entorno de eixos viários e nós de alta e média capacidade de transporte. Como há grande carência na infraestrutura viária básica da Cidade o que gera, por conseguinte, problemas críticos e crônicos aos sistemas de circulação e transporte, há uma ênfase acentuada em projetos viários, muitos desses planejados há décadas e não implantados. A estratégia de expansão urbana depende, assim, da implantação dessas novas vias, e de um sistema integrado de transporte que proporcione a necessária conexão interbairros, e com as nucleações de atividades econômicas. O PL também preconiza “o controle da abertura indiscriminada de frentes de urbanização”, o que induz a uma estratégia de contenção da expansão horizontal da Cidade, vale dizer, de impulsão do adensamento populacional de áreas já dotadas de serviços e infraestrutura básica. Entretanto, esses pressupostos implicariam em maiores coeficientes de aproveitamento em relação aos estabelecidos nas áreas de expansão, bem como na supressão de zonas de uso de baixa densidade populacional com tipologia horizontal em áreas consolidadas e fartamente infraestruturadas, a exemplo do Caminho das Árvores, e outros parcelamentos enquadrados como “R1” que subutilizam o potencial de ocupação do solo. Ao lado disso, impõe reconhecer a necessidade de dotação de infraestrutura viária complementar na porção contida entre as Avenidas Paralela e Otávio Mangabeira, na Orla Atlântica, e de parâmetros de ocupação compatíveis com a demanda de mercado e a valorização dos terrenos ali situados, de modo a induzir esse vetor de expansão. No geral o discurso vislumbra uma concepção de “cidade compacta” que não se plasma plenamente com as definições do ordenamento territorial.

CAU/BA: Quais os pontos fortes do novo projeto do PDDU?

Lídia Santana: As diretrizes que preconizam: o desenvolvimento orientado pelo transporte (DOT) e a expansão da rede de transporte público de alta e média capacidade, a redução das necessidades de deslocamentos motorizados mediante a diversificação de usos não residenciais em zonas residenciais, a universalização dos serviços de saneamento básico, e a diversificação da base econômica do Município, parecem fundamentais ao desenvolvimento urbano nos próximos anos, entretanto, tais direcionamentos requerem a retomada do processo de planejamento com a definição de programas e projetos que precisam ser definidos e implementados para que o plano não se torne, apenas, uma carta de intenções. Isto passa em primeiro plano por uma reforma administrativa que venha a fortalecer as atividades de planejamento, captação de recursos e de promoção de parcerias público-privadas, considerando a insustentabilidade crônica das finanças municipais, em face às necessidades de investimentos em todos os campos do desenvolvimento urbano. Outro ponto de destaque refere-se à regularização do funcionamento de atividades econômicas nas Zonas de Especial Interesse Social – ZEIS, mediante a emissão de alvará especial de licença de funcionamento para milhares de estabelecimentos hoje em funcionamento a margem da legislação. Isto beneficiará tanto o micro empresário quanto o orçamento municipal, com efeitos positivos sobre esses assentamentos, como também para as finanças públicas. Poderia vir a ser estendido, na sequência, para as demais áreas populares da cidade.

CAU/BA: Quais os pontos fracos?

Lídia Santana: A falta de continuidade do processo de planejamento urbano tornou o conhecimento da dinâmica urbana uma tarefa complicada. Não dispomos de um sistema georeferenciado de informações municipais atualizadas, de planos setoriais (de saúde, educação, habitação, transporte, saneamento, encostas, etc.), assim como de planos ao nível mesoespacial, isto é, para as Regiões Administrativas ou Prefeituras-Bairro, ou mesmo planos de bairros. Faltam, assim, insumos para abastecer os campos explanatório, analítico e crítico do Plano Diretor. Ao lado disso, as limitações financeiras e de recursos humanos, reforçam a continuidade de um ciclo vicioso negativo cumulativo de difícil reversão no curto prazo. Nessas condições, planos diretores em todo o país são elaborados de forma empírica, com dados e informações defasados e não intercambiáveis, resultando em documentos de cunho genérico, e por vezes até doutrinários, que produzem recomendações técnicas, mas não fornecem respostas a questões práticas. O próprio Ministério das Cidades reconhece que a grande maioria dos planos diretores do país não alcança, sequer, a totalidade do conteúdo mínimo estabelecido no Estatuto da Cidade. É nesse quadro geral que o nosso município se inscreve, e o nosso plano diretor que é um plano de curto e médio prazo, não foge à regra, o que vale dizer que o PDDU deve ser complementado adiante com a definição de metas, e revisto na medida em que não se ajuste à realidade social urbana, o que poderá ocorrer mediante o monitoramento de sua implantação, e na medida em que se fortaleçam os mecanismos de planejamento da Administração Municipal.

CAU/BA: No painel em que apresentou no CAU, você apontou algumas semelhanças entre o projeto de Lei apresentado pela Prefeitura e o Plano Diretor de São Paulo. O que foi bem aproveitado dessa semelhança e onde esta parece inadequada?

Lídia Santana: Embora o Município de São Paulo possua uma estrutura de planejamento consolidada em algumas áreas, tais como saneamento e transporte, no âmbito do planejamento urbano municipal, i.e., de concepção de cidade, não parece que possa servir de referência para outros municípios, e menos ainda para Salvador, não só por conta de nossas características peculiares muito diversas, como também pelo estágio mais avançado no âmbito teórico-conceitual que atingimos com o advento do PLANDURB. Ressalte-se que o PDDU de 2008 já incorporava influências do plano de São Paulo, notadamente na concepção de macrozoneamento e de zoneamento urbano, subvertendo premissas ora incorporadas ao planejamento de cidades e regiões dentro e fora do Brasil, e já contempladas em Salvador desde o PDDU/1985. A guisa de simplificação do zoneamento da LOUOS, por exemplo, ocorreram mudanças substanciais ao conceito de zona de uso, em que uma de suas consequências mais aparentes aponta para a homogeneização no tratamento urbanístico dos diversos subespaços.

CAU/BA: Como você avalia o trabalho que tem sido feito pelo legislativo?

Lídia Santana: O legislativo buscou conhecer e debater o conteúdo do Projeto de Lei do PDDU realizando, 18 audiências públicas temáticas e devolutivas, além de debates em paralelo com segmentos da sociedade civil organizada. Esses eventos cumpriram em parte com esse propósito, em parte porque o plano diretor é algo ainda muito distante da percepção do cidadão comum, entretanto, pode-se dizer que nenhum outro plano diretor foi objeto dessa atenção da Câmara Municipal, especialmente do presidente Paulo Câmara que articulou toda a estratégia de discussão, e criou a Comissão Técnica de apoio aos vereadores, e aos debates ao longo de seis meses de tramitação do PL no Legislativo. O ideal seria que esse trabalho do legislativo continuasse, pois o processo de implementação do PDDU é tão importante quanto a sua aprovação.

CAU/BA: Como avalia a participação da sociedade no projeto?

Lídia Santana: A participação pública nos debates do PDDU foi quantitativa e qualitativamente maior em relação às experiências passadas. Entretanto, isto não quer dizer que o conteúdo do Plano foi todo ele assimilado, até porque a sociedade civil em geral ainda se encontra em estágio embrionário de organização em relação a outras cidades e regiões mais desenvolvidas. Considerando essas condições, podemos afirmar que o interesse da população no Plano Diretor vem crescendo, e a contribuição da Câmara nesse processo foi e tende a ser de grande valia. Prova disto são as dezenas de contribuições dos diversos segmentos organizados e da população em geral ao projeto de lei, mas essa experiência deve ser avaliada em toda sua extensão para que se possa avançar no futuro, inclusive com maior participação do Poder Legislativo no próprio processo de elaboração do PDDU.

CAU/BA: O que acha que dificultou essa participação?

Lídia Santana: A elaboração de uma cartilha nos moldes da que foi elaborada para o Plano de São Paulo talvez ajudasse na maior compreensão do tema e possibilitasse maior capacidade de intervenção da população em geral. Os partidos políticos também poderiam ter tido maior empenho na promoção de debates regionalizados, de modo a ampliar, ainda mais a participação pública. Ao lado disso, a Universidade e outros segmentos como o Participa Salvador poderiam ter buscado aprofundar o debate acerca de questões técnicas consideradas polêmicas. Registre-se, ainda, como negativa, a imanência em parte dos discursos tidos como “politicamente corretos”, de certa tônica de elogio unilateral à sociedade civil, aliada a uma forte crítica ao Estado, como se esses conceitos fossem organicamente separados, e mesmo antagônicos. Um dos aspectos positivos foi, sem dúvida, a publicidade das propostas de alteração do PL por parte da população e vereadores ao longo do processo legislativo de discussão do PDDU, mediante veiculação no site da Câmara Municipal, e através da explanação de cada proposta nas audiências devolutivas e pareceres da Comissão Técnica. Isto propiciou o conhecimento público dessas propostas, antes confinadas ao momento de votação do projeto de lei. Ao lado disso, todas as audiências públicas foram transmitidas ao vivo pela TV Câmara via internet, atingindo uma amplitude de público nunca antes registrada.

CAU/BA: Há estatísticas sobre quantas sugestões foram feitas pela população e entidades e quantas foram incorporadas?

Lídia Santana: Das cerca de 140 propostas de emendas e contribuições encaminhadas e publicadas no site do PDDU, cerca de 40 propostas oriundas da população e entidades foram incorporadas ao relatório do relator do Projeto de Lei de forma integral ou parcial.

CAU/BA: Quais os temas mais abordados pela sociedade?

Lídia Santana: Temas relacionados à mobilidade urbana, ao Sistema de Áreas de Valor Ambiental (SAVAM), e à relação do PDDU com os diversos bairros foram recorrentes nas audiências públicas. Também houve um debate mais acentuado a respeito das Operações Urbanas Consorciadas (OUC) e, de forma generalizada, temas relacionados a carências pontuais de serviços, equipamentos e infraestrutura básica em diversas localidades.

CAU/BA: O que você diria que foi o tema mais polêmico do PDDU, a mudança que encontrou mais resistência?

Lídia Santana: A questão da Cota de Solidariedade introduzida sob a inspiração do Plano de São Paulo no PL recebeu propostas opostas entre si, umas no sentido de ampliar o percentual de área de doação por parte de empreendedores, e outras visando sua supressão ou alteração no sentido de ampliação dos incentivos ao setor privado. Além disso, a questão das OUC foi polemizada quanto à extensão e delimitação em mapa das áreas passíveis de ocorrência dessas operações no Plano Diretor. Ambos os temas foram, entretanto, mantidos como disposto na proposta original do projeto de lei pelo relator.

CAU/BA: Uma crítica feita pelo movimento Participa Salvador é que não há estudos técnicos suficientes para embasar o regramento do plano, como você vê isso?

Lídia Santana: Essa questão não pode ser vista de forma isolada do contexto em que são elaborados os planos diretores, conforme assinalamos anteriormente. Também é importante que no processo de discussão do PDDU seja analisado o Termo de Referência do plano, pois ali são definidos os estudos a serem elaborados, e a metodologia a adotar tanto para os estudos técnicos, como para o processo participativo. Na ausência desse debate inicial, e de uma avaliação das reais condições em que se produzirá a revisão de planos diretores, não restará senão apontar seus efeitos terminais. De todo modo, pode-se dizer que o produto apresentado está em consonância com a capacidade da sociedade civil de intervir no rumo das coisas neste momento, porque não existe uma racionalidade técnica dissociada da trama dos acontecimentos.

CAU/BA: O novo PDDU leva em conta a integração de Salvador com a região metropolitana?

Lídia Santana: A diversificação da base econômica de Salvador, tal como preconiza o PL, dependerá, em grande parte, do conhecimento da dinâmica e das potencialidades econômicas regionais, bem como de acordos intermunicipais de interesse comum. Na ausência de planos regionais, bem como de estudos e pesquisas acerca das relações econômicas, sociais, ambientais e territoriais entre municípios polarizados por Salvador, ou pelo menos os da RM, uma visão global das potencialidades da integração metropolitana resta embaçada ou se restringe a aspectos mais visíveis, a exemplo dos problemas de transporte e do Meio Ambiente. Infelizmente o decremento continuado do planejamento urbano-regional não favorece a definição de políticas de integração regional, e o arranjo institucional para o planejamento metropolitano ora vigente dificilmente obterá o necessário consenso em torno de objetivos comuns mais amplos, em vista de sua formatação autoritária e desproporcional ao papel das metrópoles. De todo modo a verdadeira integração Salvador – RM dependerá mais das iniciativas dos municípios do que de definições monocráticas de qualquer plano.

CAU/BA: Que experiência de outras cidades no Brasil e fora daqui podemos tomar como bons exemplos de planejamento?

Lídia Santana: O planejamento de cidades e regiões tem aportado novos conceitos em que o virtual passa a ser visto como uma dimensão do real enquanto principal vetor de criação de novas realidades. Isso significa que não há uma fórmula ou um modelo específico de cidade a ser seguido, mas que a cidade, sendo única, pode se valer desses novos conceitos de múltiplas maneiras, bem como de uma diversidade de teorias combinadas, em face à complexidade e à incerteza que ronda o ambiente urbano contemporâneo.

No Brasil o cenário não tem sido propício ao desenvolvimento do planejamento urbano e, apesar de alguns avanços no plano normativo, os campos explanatório, analítico, crítico e conceitual parecem recalcados. Em outras palavras, prevalecem ideias largamente pragmáticas de como as coisas deveriam ser, e deixam-se de lado explicações do porque as coisas são como são. Não por acaso os municípios brasileiros não figuram, sequer, entre as cem melhores cidades do mundo, segundo pesquisa realizada neste ano. A cidade brasileira mais bem colocada é Brasília, que ocupa a 106ª colocação, em 117º lugar, está o Rio de Janeiro, e São Paulo aparece na 121ª posição, enquanto Manaus, na 125ª, registrando-se que esses quatro municípios ficaram atrás de cidades sul-americanas, como Montevidéu (78º), Buenos Aires (93º) e Santiago (94º).

Um bom exemplo de planejamento urbano é o Cities PLUS da Região da Grande Vancouver no Canadá, um Plano elaborado em 2000 com horizonte de cem anos envolvendo 36 municípios da região metropolitana, sob a coordenação conjunta de todos os municípios, através da GVRD (Great Vancouver Regional District). Esse plano lançou as bases da “Cidade Sustentável” e inovou conceitos ora disseminados mundo afora, a exemplo de “Cidades Resilientes”, “Cidades Inteligentes”, “Cidades Compactas”, e “Governança Democrática”, e vem sendo implementado através de programas também inovadores, como o “Plano de Ação para uma Cidade mais Verde”, e “Estratégia de Adaptação para as Mudanças Climáticas”, dentre outros.

Outro exemplo é o Plano de Medellín, segunda maior cidade da Colômbia, com foco nos bairros mais pobres e isolados, em que se priorizam novas construções em larga escala de escolas, bibliotecas, espaços verdes, espaços culturais e centros de conhecimento, contribuindo para a redução da criminalidade, do desemprego e a melhora da qualidade de vida na cidade. Questões como mobilidade, governança, redução da pobreza e da violência e integração são focadas em um mesmo projeto espacial, batizado de Projecto Urbano Integral (UPI), em que se utilizam ferramentas de desenvolvimento social, físico-urbanístico e de coordenação interinstitucional para transformar os setores mais necessitados da cidade.

Muitas outras experiências inovadoras podem ser citadas, tais como: o “Plano Metropolitano Sydney 2036” que preconiza o crescimento do centro urbano para cumprir a meta de redução no tempo de viagem entre casa-trabalho, serviços, espaços de cultura, entretenimento ou lazer. O Plano Metropolitano de Portland (EUA) cuja estratégia é transformar a região composta por 25 cidades no “melhor lugar para se morar”, segundo o conceito de “Crescimento Inteligente”. O Plano de Seul na Coréia do Sul, baseado no conceito “Cidades Inteligentes”, propõe o desenvolvimento de um novo modelo “para gerir e viver a cidade”, através da criação de uma plataforma tecnológica com dados abertos, em que cidadãos, empresas e o setor público podem estar conectados, visando a uma cidade mais participativa, eficiente e sustentável.  O “Plano de Cidade do Futuro” de Glasgow/Escócia, ao demonstrar como a tecnologia pode tornar a vida nas grandes cidades mais inteligente, segura e sustentável e, na mesma direção, o Plano Estratégico de Desenvolvimento “La Coruña Futura: 2012-2020”. Destaco, ainda, as inovações em planejamento urbano participativo em Auckland/Nova Zelândia. No Brasil, podemos citar algumas experiências pontuais de sucesso que devem ser aprendidas: João Pessoa é referência em áreas protegidas; Uberlândia é destaque em acessibilidade; São Caetano do Sul é referência nacional no sistema de saúde para a terceira idade, e Sobral no Ceará, em educação infantil.

 

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