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Urbanismo brasileiro de luto: morre o professor Flávio Villaça

O CAU Brasil lamenta comunicar o falecimento, aos 91 anos de idade, do arquiteto e urbanista e professor Flávio Villaça, ocorrida em São Paulo em 29 de março.

“Sempre marcada por constante inquietação intelectual, a trajetória deste pesquisador nato, especialmente voltado ao tema do espaço urbano, está vinculada tanto a suas práticas profissionais quanto a sua trajetória acadêmica, antes mesmo de seu ingresso como docente na Universidade de São Paulo” –  assim Sérgio Luis Abrahão e Silva Maria Zioni sintetizaram o curriculum de Flávio Villaça no artigo “Uma trajetória dedicada ao planejamento urbano brasileiro”, publicado no portal Vitruvius em 21 de novembro de 2020. 

Flávio Villaça formou-se pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; Master of City Planning pelo Georgia Institute of Technology, Atlanta, Ga. EUA, 1958; Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, 1979; Pós Doutorado no Departamento de Geografia da Universidade da Califórnia, Berkley, EUA, 1985.  Atuou em diversos órgãos públicos e empresas dedicados ao planejamento urbano, como o Departamento de Urbanismo da Prefeitura Municipal de São Paulo, a Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais (Sagmacs), a Hidroservice, a Fundação Faria Lima-Cepam e na Coordenadoria Geral de Planejamento de São Paulo.  Foi professor titular de Planejamento Urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. É também autor de diversos livros: “O que todo cidadão precisa saber sobre habitação”; “As ilusões do Plano Diretor”; “Os transportes sobre trilhos na Região Metropolitana de São Paulo”, entre outros.

 

 

REPERCUSSÕES

“Estou muito triste.  Sinto muito pela perda do grande teórico, professor e amigo Flávio Villaça – uma perda enorme para o urbanismo brasileiro”, afirmou  Nadia Somekh, presidente do CAU Brasil. 

“Foi-se um gigante. Da intelectualidade brasileira, do planejamento urbano”, declarou o arquiteto e urbanista João Whitaker. ” Flávio era uma figura que iluminava por sua inteligência e generosidade. Um marxista com orgulho que, com mais de 85 anos, ainda dava aulas na pós-graduação com a energia e entusiasmo de um jovem professor em começo de carreira. Flávio deu enorme contribuição ao planejamento brasileiro, ao desbravar os caminhos da interdisciplinaridade, ao aproximar a teoria da prática, tendo atuado na administração pública por diversas vezes. Com um texto brilhante, leve e irônico, tornou-se referência em seus artigos e livros. Pena que ele deixa o mundo em um momento tão difícil, esse mundo pelo qual ele tanto lutou para melhorar. Nos resta seguir o seu caminho e não desistir, é o que ele mais gostaria”. 

“Perdemos Flávio Villaça, mestre querido, professor da FAUUSP, grande referência no campo de estudos urbanos e do planejamento urbano. Deixa um legado enorme em várias gerações. Salve Flávio!”, escreveu Raquel Rolnik em seu twitter. 

 

“PLANO DISCURSO”

Para o arquiteto e urbanista Edmilson Rodrigues, atual prefeito de Belém, Flávio Villaça “era um grande gênio”. Ele destacou a atuação do professor no Fórum Nacional da Reforma Urbana, ao lado de outros colegas, durante a Constituinte de 1988, que possibilitou a criação de diversos instrumentos avançados do Estatuto da Cidade. “Ao mesmo tempo ele acreditava na luta do povo e era um crítico da ilusão que se criou em torno da ideia de que só fazer plano basta para gerar cidadania, garantir direitos.  Sem luta, qualquer plano vira letra morta. O capital imobiliário ceifa leis.”. Nesse contexto, segundo o prefeito, Flávio Villaça deixa um imenso legado para a compreensão da dinâmica urbana e intraurbana brasileira e mundial, sobretudo suas contradições em uma sociedade movida pela lógica do capital. 

Sérgio Luis Abrahão e Silva Maria Zioni  lembram, no artigo que escreveram sobre o professor Flávio Villaça,  que um dos temas recorrentes de suas palestras e escritos era justamente o  Plano Diretor. “Villaça encontra nos recursos da dramaturgia os meios para defender sua tese de que “a sobrevivência do plano diretor só pode ser entendida como ideologia”. 

“Brecht e o Plano Diretor” , um texto escrito em 2005 e reescrito em 2011,  ainda hoje muito oportuno. “Baseia-se na peça “A vida de Galileu” de Bertold Brecht (1978), sobre a descoberta de Galileu e sua ameaça ao saber e poder oficial, por questionar a teoria de ser a terra o centro do universo. Seja o sistema ptolomaico, seja o caso dos problemas urbanos brasileiros, Villaça nos ensina que: “A ideia dominante veiculada por meio do Plano Diretor é a de que a falta deste – a falta de planejamento – é a maior causa de nossos chamados ‘problemas urbanos’, e não a miséria, a desigualdade e a injustiça sociais. Com isso, a classe dominante se exime de responsabilidade por esses problemas, pois ela vive alardeando a necessidade de planejamento, mas se recusa a aceitar sua responsabilidade sobre a pobreza, a desigualdade e a injustiça sociais. Este é o papel que a ideia do Plano Diretor vem desempenhando há décadas”.

Depoimento de Ermínia Maricato: “Flávio Villaça foi meu mestre, meu amigo, minha inspiração…Trabalhou com planejamento urbano no início da carreira. Mas transitou para uma posição muito critica, marxista, a ponto de criar o famoso bordão do “plano discurso”. Ele publicou estudos originais sobre o espaço intra urbano. Insubstituível Flávio Villaça!”.

Depoimento do arquiteto e urbanista Nabil Bonduk: “Perdemos hoje um dos mais importantes pensadores sobre o urbanismo e planejamento urbano, meu querido professor, orientador e amigo Flavio Villaça. Flavio foi um dos daqueles pesquisadores fundamentais para entender a estrutura urbana das cidades brasileiras, especialmente, de São Paulo. Seu livro Espaço Intra-urbano é uma grande referencia para todos os quem estudam o processo de segregação urbana que caracteriza as cidades capitalistas. Aprendi muito com ele em mais de quarenta e seis anos de convivência e interlocução intelectual. Foi meu professor na graduação e na pós-graduação da FAU-USP. Ele formou várias gerações de urbanistas e influenciou o pensamento urbano crítico. Nos seus cursos, tive a oportunidade de ler e debater os clássicos da teoria urbana e entender melhor os limites do planejamento urbano. Participou da minha banca de mestrado foi e meu orientador de doutorado, cuja tese resultou no livro Origens da Habitação Social no Brasil. Sua dedicação aos orientandos era fabulosa, sempre atento e crítico, contribuindo de forma substantiva para os trabalhos que orientava. Seus ex-orientandos formam uma legião de admiradores. Em muitas oportunidades debatemos sobre a efetividade dos planos diretores. Nem sempre concordamos. Ele, com seu pensamento crítico e experiência de décadas trabalhando com o planejamento urbano, era cético sobre a possibilidade de planos diretores alterarem o caráter excludente das cidades, enquanto eu defendia que o planejamento urbano participativo e a pressão popular e política poderiam garantir avanços na democratização das cidades. Que, como planejadores urbanos, tínhamos que, ao menos, tentar, articulando urbanismo com a política. Apesar das diferenças, ele sempre me incentivou a trilhar por esse caminho, pois nossos debate, sempre respeitoso, estava baseado nos mesmos princípios éticos e visão de mundo. Sua integridade, coerência e dedicação à docência e pesquisa fez com que se tornasse um dos mais queridos professores da nossa faculdade. E estará sempre presente, com seus textos e ideias que continuarão a formar novas gerações de urbanistas”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: CAU/BR
Publicado em 30 de março de 2021

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