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474 anos. Uma homenagem ou um alerta…fica a dúvida. 

 

29 de março de 1549 / 29 de março de 2023 

474 anos. Uma homenagem ou um alerta…fica a dúvida. 

 

Tomé de Souza, a mando do rei de Portugal D. João III, chegou para instalar e fundar uma cidade fortaleza para ser a sede de um Governo Geral, com o intuito de substituir o sistema de Capitanias Hereditárias. Trouxe “as traças e amostras” (planos) do Arquiteto Real Miguel de Arruda. Salvador foi a primeira cidade projetada das Américas. A qual seu auxiliar, o mestre de obras Luís Dias, tratou de construir nos moldes das cidades da idade média, em altiplanos visando a defesa.

 

Das “traças” iniciais, ainda existentes no ponto inicial da implantação de Tomé de Souza, Salvador teve todo o seu desenvolvimento pelas cumeadas avançando além do sítio inicial. As baixadas por terem problemas diversos para a ocupação, ficaram por séculos como vazios urbanos. Quando, já no século vinte, no final da década de quarenta, o Engenheiro Mário Leal Ferreira desenvolveu um grande projeto de mobilidade urbana usando os vales existentes. Projeto este que ficou parado anos até que na década de sessenta, o então prefeito Antônio Carlos Magalhães, decidiu implantá-lo. Todavia, de modo incompleto e atropelando todos os conceitos e as metas projetuais originais. Rasgou algumas avenidas nos vales, indo de ponto a ponto, sem as devidas ligações com as cumeadas, sem os trilhos previstos, como também as vias laterais das pistas denominadas ”Free way”, que criariam todos os sentidos de fluxos e contrafluxos para atingir e permitir a mobilidade adequada entre as diversas áreas e suas ocupações diversificada. Rasgou-se também, com estas implantações incompletas, o Plano Mário Leal Ferreira. 

 

Sendo Salvador uma cidade singular devido a sua topografia, como já afirmamos anteriormente, deveria sim ter um projeto equacionado buscando entender sua geografia física, cultural, social e humana. Entretanto, as gestões optaram por projetos pontuais, imediatistas e desconectados totalmente fora da realidade imposta pela topografia, que já impunha decisões projetuais que contemplassem relações físicas com os altos e baixos existentes, apesar destes não serem com alturas expressivas. Todavia o ritmo e as sinuosidades induziam, e ainda induzem, a atitudes elegantes e não destruidora da paisagem vazia e selvagem. 

 

Foram transplantados modelos de outras cidades com realidades bem diferentes, em todos sentidos, priorizando atender grupos empresariais que, inconsequentemente, descaracterizaram e adensaram regiões sem o mínimo critério técnico de ocupação. Esse processo trouxe transtornos em infraestrutura de serviços e de ocupação urbana, e, com a permissividade do poder público, ocasionando a ocupação irregular que  explodiu em todos os sentidos e em locais inadequados quanto a segurança física dos terrenos, não tendo acompanhamento dos poderes constituídos, e nem a mínima assistência técnica e social das autoridades que teriam obrigação de planejar e executar. Estava feita a formulação para algumas tragédias anunciadas, como as que têm ocorrido e sem nenhuma solução até o momento. Só para os pontos vitais e críticos, já mapeados e conhecidos, precisa-se de muito tempo e de recursos, que não temos para uma cidade que, como Salvador, tem uma ocupação irregular quase em toda sua extensão. 

 

Além de ser, ultimamente, uma cidade construída pontualmente sem uma visão contextual global de planejamento, contamos, dentro desta única cidade de Salvador, com dois poderes: o municipal e o estadual, executando projetos e obras sem o mínimo diálogo e as devidas interações projetuais. São placas de inaugurações por inaugurações. Isoladas e desassociadas da topografia, do respeito ambiental e, principalmente, o desrespeito humano ao não ouvir, nem conversar com os habitantes, em busca de entender suas necessidades. São decisões tomadas de modo tecnicista, distantes das reais necessidades, que explodem diariamente para insatisfação dos cidadãos, e nem sempre as adequadas aos procedimentos de uma cidade para todos. Uma cidade discutida, inclusiva e democrática, imposições estas que a pós contemporaneidade e a sua sociedade exige. 

 

Dilacera a topografia, suprime o verde por trambolhos aéreos de concreto, tampona e canaliza os cursos d’agua, em vez de buscar recuperar a qualidade aquífera. Além disso, não deixa áreas laterais para espraiar e fluir livremente os excessos, e quando chegam as chuvas intensas resulta no que vemos diariamente nos noticiários. As tragédias da natureza estão diretamente ligadas às intervenções dos humanos e aos que por desconhecimento desprezam as regras básicas de um diálogo e de uma interação constante e diária entre técnica, sensibilidade e atitudes que não agridam os comportamentos dos diversos fatores da natureza. 

 

Contudo, SALVADOR com toda a sua plasticidade topográfica e ambiental tem resistido, e sido mais forte que as feridas que lhe impuseram por incompetência, ou pior, por permissividade para privilegiar grupos sociais e econômicos. Cada vez mais estamos totalmente na contramão das cidades que buscam a qualidade de vida dos seus cidadãos, ao fazer a amalgama técnica e humana com a natureza. Atitude esta tão necessária para atingirmos o convívio do equilíbrio dos avanços inevitáveis das ocupações humanas, construídas nos elementos naturais do mundo. 

 

E como já dizia o chefe indígena americano Seatle, no século XIX, ao escrever ao grande chefe branco de Washington: 

 

“Tudo que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. É o final da vida e o início da sobrevivência”.

 

 

Fonte: CAU/BA

Publicado em 29/03/2023

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